Padre Victor
Foi na madrugada do dia 12 de abril de 1827, na pequena cidade de Campanha, no sul do Estado de Minas Gerais, na fazenda da senhora Mariana de Santa Bárbara Ferreira, que a escrava Lourença Justiniana de Jesus dava à luz um menino, que foi batizado no dia 20 do mesmo mês com o nome de Francisco de Paula Victor. Na fazenda de D. Mariana, sua madrinha e educadora, Francisco cresceu, sempre admirado e amado por todos. Era um garoto robusto, cheio de saúde e obediente. O seu caráter piedoso fazia-o espelho para os demais. Tendo sido extremamente pobre, nunca abandonou a modéstia e a disciplina.
Ainda jovem, Francisco de Paula Victor aprendeu o ofício de alfaiate. Entretanto, aos 21 anos de idade, o coração do moço Victor sentiu um outro desejo: o de tornar-se padre. Assim, aproveitando a visita a sua cidade de D. Antônio Ferreira Viçoso, bispo de Mariana, o jovem alfaiate foi ter com ele, confessando-lhe o desejo e a vocação religiosa. Dom Viçoso, certificado das boas intenções daquele jovem, nada mais fez senão animá-lo no digno propósito de tornar-se um sacerdote. Dessa forma, em 5 de junho de 1849, apareceu no Seminário de Mariana um negrinho corpulento, de cara chata, nariz esparramado e muito beiçudo.
Vestido pobremente, supunham os seminaristas que aquele moleque feio vinha para ser ajudante na cozinha ou para outro qualquer serviço subalterno.
Ao saberem os colegas seminaristas que o negro era como eles, um estudante e candidato ao sacerdócio, ficaram atônitos, A sua admissão no Seminário causou desagrado aos estudantes orgulhosos, que se sentiram deprimidos por terem que conviver ao lado de um negro. E comentavam uns com os outros: Como é possível ser um padre, um ministro de Deus, um negro tão feio, um tipo tão hediondo?Foi necessária a intervenção do bispo de Mariana, D. Viçoso, para acalmar os ânimos dos exaltados seminaristas, dizendo a eles que aquele negro possuía alma alvíssima.
Uma vez que o bispo o admitira no seminário, no meio deles, os brancos, e não na cozinha ou na cocheira, como queriam, começaram a menosprezá-lo, a reduzi-lo a mero criado. E incrementaram as humilhações:
-"Negro, escove as minhas botas."
-"Beiçudo, limpe a minha roupa."
-"Macaco, arranje essa cama."
O humilde estudante preto, sem nenhuma relutância, dava execução às recomendações recebidas. Dessa maneira, com o coração embriagado de júbilo, Francisco de Paula Victor foi ordenado por D. Viçoso, em 14 de junho de 1851, aos 24 anos, portanto. Permaneceu, após ordenado, quase um ano em Mariana, sendo, então, nomeado vigário da cidade de Três Pontas, também Minas Gerais, em 18 de junho de 1852. Assumindo a direção espiritual dos trespontanos, o novo sacerdote sentiu logo que não lhe bastava a prática religiosa, era necessário dar instrução ao povo. E, sem auxílio algum dos poderes públicos, Padre Victor, como passou a ser conhecido, fundou o Colégio Sagrada Família, que, em pouco tempo, adquiriu conceito igual ao do Colégio de Caraça [um dos mais importantes colégios do Império e o centro mais famoso na área dos estudos humanísticos, em Minas Gerais, fundado em 1820 pelos padres portugueses da Congregação da Missão, de São Vicente de Paulo].Nesse educandário, os alunos encontraram não só a instrução, mas o vestuário também, ao mesmo tempo que as roupas de cama e de mesa e, sobretudo, o exemplo prático das mais edificantes e sólidas virtudes. Foram numerosos os estudantes, uns internos e outros em regime semi-aberto, admitidos no Colégio, gratuitamente. A fama de "cidade piedosa e acolhedora" de que goza Três Pontas, até hoje, é, em grande parte, devida a esse generoso protetor e benfeitor.
A modéstia do seu trato, a bondade de seu olhar, a humildade de sua palavra, toda sua vida, enfim, tão simples e pura, demonstravam a nobreza do seu caráter. Para ele todas as felicidades do mundo se concentravam em servir a Deus, a vivenciar o Evangelho de Jesus, amando o semelhante despretensiosamente. A sua residência era um verdadeiro "hotel", principalmente dos pobres, que ali dormiam e se refaziam, restabelecendo suas condições físicas e espirituais. Muitos leprosos foram por ali hospedados e tratados com dignidade e amor.
Em Três Pontas existia ainda o sentimento de casta, porque os trespontanos, em sua maioria, eram portugueses, bem como seus descendentes imediatos. Eles não gostavam de se misturar com gente de cor. Daí o descontentamento geral, pelo gesto de D. Viçoso, que era português, enviando à cidade um padre negro. No entanto, a dedicação sacerdotal, o critério e sobretudo a atuação como professor, e o amparo aos pobres, criaram uma aura de consideração ao redor do padre preto que, tempo depois, gozava de alta estima e de toda a população de Três Pontas.
Era tão elevada a sua condição moral, que numa tarde chegaram quatro homens à sua residência, custodiando um possesso que não conseguiam controlar. Sentaram o homem em um banco no salão e apressaram-se em chamar o Padre Victor. Quando o sacerdote aproximou-se do subjugado, o espírito que o "possuía" enfrentou-o gritando: "saia daqui, seu negro beiçudo". Os quatro homens não conseguiam deter aquela criatura obsedada, que por mais de uma vez tentara galgar a parede. Padre Victor, aproximando-se dele, pousou-lhe a mão sobre a cabeça e orou. O doente foi-se acalmando, consideravelmente, como se estivesse desalimentado. Foi colocado, em seguida, sobre um leito, onde dormiu tranqüilamente durante toda a noite, mostrando-se perfeitamente equilibrado, no dia seguinte.
Durante 78 anos em que ocupou o invólucro carnal, procurou ser sempre fiel a Jesus. Nunca a sua porta fechou-se para as necessidades alheias.
Em 1903, já muito idoso, Padre Victor foi à cidade de Poços de Caldas, em busca de melhoria para a sua saúde bastante precária. Cerca de dois anos após o seu regresso desta cidade, agravaram-se os seus sofrimentos, vindo a desencarnar às 22h do dia 23 de setembro de 1905, e a inumação do seu corpo foi feita às 10h do dia 25, para que houvesse tempo para que todo o seu rebanho pudesse ver-lhe o corpo pela vez derradeira, sendo que os funerais contaram com a presença de mais de três mil pessoas.
Monumento a Padre Victor em Três Pontas (MG)
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